quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Um carta de Rosa Luxemburgo que me inspira para a vida

SOPHIE LIEBKNECHT

Prisão [Breslau, antes de 24 de dezembro de 1917]

Sonitchka, meu passarinho, fiquei tão feliz com sua carta.Pensei em você todos os dias ao ler as notícias da Rússia, e ficava preocupada a imaginar o quanto ficou agitada a cada telegrama. Na Russia agora o poder dos trabalhadores e do socialismo é forte demais mas aqui em toco caso, reina a atmosfera de indignidade, covardia, reação e estupidez.
Ontem fiquei longo tempo deitada desperta – no momento nunca consigo dormir
antes da uma hora, mas às dez já tenho de ir para a cama, porque a luz é apagada,
então fico sonhando no escuro com várias coisas. Assim, ontem eu pensei: como
é estranho que eu viva constantemente em um estado de alegre embriaguez – sem nenhum motivo especial. Aqui estou, por exemplo, numa cela escura, sobre um colchão duro feito pedra, na casa, ao redor de mim, reina o costumeiro silêncio de cemitério, a gente se sente como se estivesse num túmulo; De tempos em tempos se ouve o ruído surdo de um trem que passa ou, bem perto sob a janela, a tossezinha da sentinela que dá uns passos lentos com suas botas pesadas para desentorpecer as pernas dormentes. Sob os passos dele o rangido da areia é tão desesperado que todo o vazio e a falta de perspectiva da vida ressoam na noite úmida e escura. Aqui estou eu, deitada, sozinha, envolta em todos estes panos negros da escuridão, do tédio, da falta de liberdade, do inverno – e meu coração bate com uma incompreensível, desconhecida alegria íntima, como se eu caminhasse à clara luz do sol por um prado florido. E no escuro sorrio à vida, como se soubesse de algum segredo mágico que castigasse tudo que há de mal e triste e o transformasse em pura claridade e felicidade. E procuro um motivo para essa alegria, não encontro nada e sorrio novamente – de mim mesma. Eu creio que o segredo não é senão a própria vida; se a olharmos bem, a profunda escuridão da noite é tão bela e macia como o veludo; e o ranger da areia úmida sob os passos lentos e pesados da sentinela canta também uma pequena e bela canção da vida – basta que a saibamos ouvir. Em momentos como esse penso em você e gostaria tanto de lhe transmitir essa fórmula mágica de captar sempre e em qualquer situação o que há de belo e alegre na vida, para que você também viva em êxtase e caminhe como que sobre um prado colorido. Não pretendo de modo algum contentá-la com ascetismo, com uma alegria ilusória. Ofereço-lhe todas as alegrias verdadeiras dos sentidos que se possam desejar.

Gostaria apenas de lhe dar também minha inesgotável serenidade íntima, para poder me tranquilizar a seu respeito.
Você me pergunta – Por que alguns homens tem o poder de decidir sobre a vida de outros homens ?
Minha pequena, toda a história da civilização é baseada sobre esse poder de decisão que certos homens fazem com os seus iguais e nós assistimos atualmente a uma dessas épocas de tormenta.
A vida tem sido separação, dor e saudade mas eu espero na primeira oportunidade voltar a cair com os meus dez dedos no teclado do piano do mundo até faze-lo tremer.

A Ordem reina em Varsóvia, a ordem reina em Berlin proclama a imprensa mas esta ordem está construida sobre areia. Amanhã a revolução se levantará de novo ruidosamente dizendo :

Eu fui eu sou eu serei.


Escreva logo.

Um abraço para você, Sonitchka

Sua R

Soniucha, caríssima, apesar de tudo fique tranquila e alegre. Assim é a vida e assim temos de aceitá-la com coragem, sem hesitação, sorrindo – apesar de tudo.

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